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Fundado em 2003, o Teatro do Concreto é um grupo de Brasília que reúne artistas interessados em dialogar com a cidade e seus significados simbólico e real por meio da criação cênica. Assume, desde sua origem, a diversidade e a pesquisa como princípios de gestão e composição artística, mobilizando criadores de diversas regiões do Distrito Federal e aprofundando a interação com diferentes artistas e áreas do conhecimento. Suas criações se orientam pela perspectiva do processo colaborativo e se caracterizam, principalmente, pela elaboração de uma dramaturgia própria, pela radicalização no uso de depoimentos pessoais, pela investigação da cena no espaço urbano, pela relação com as práticas da performance e pela busca por diferentes modos de engajar o espectador.

 

Ao longo de sua trajetória, o grupo estreou 9 espetáculos e intervenções cênicas, publicou 3 obras de referência para o campo da pesquisa teatral e realizou diversos projetos de interação com a comunidade os quais extrapolam a dimensão dos palcos, consolidando-se como referência para o teatro de grupo na região Centro-Oeste. Ganhou projeção nacional com a circulação dos espetáculos Diário do Maldito (2006) – que recebeu o Prêmio SESC do Teatro Candango nas categorias de Melhor Atriz e Melhor Cenografia – e Entrepartidas (2010) – que recebeu o Prêmio SESC do Teatro Candango nas categorias de Melhor Espetáculo, Melhor Direção, Melhor Ator e Melhor Dramaturgia.

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NÓS SOMOS O CONCRETO

Âncora 1
Âncora 2

linha do tempo

2000

 

Francis Wilker e Lidiane Leão estreiam o espetáculo NÓ no Festival de Teatro na Escola, realizado pela Fundação Athos Bulcão. Entre as estudantes participantes da montagem estavam Ivone Oliveira e Micheli Santini, que viriam se tornar membras fundadoras do Teatro do Concreto.

Um grupo em números: Quantas horas de passadão de cena? Quantas páginas lidas e decoradas? Quantas contas atrasadas pela informalidade? Quantas linhas de ônibus noturnos? Quantos passos caminhados nas periferias de Brasília para chegar em casa depois de uma rotina de ensaios? Quantas idas ao banheiro antes de uma estreia, ou de uma apresentação banal – isso existe? Quantos batimentos por minuto? Quanto desejo de revolução? Quantos quilômetros voados? Quantas cenas jogadas no lixo? Quantas aprovações de material gráfico? Quanta água para lavar as xícaras de café das reuniões? Quanto de mim? Quanto do outro? Quanto tempo dura esse espetáculo? – Poderia me dizer que horas são? – Nossa, é tarde. Perdemos a noção da hora. – Perdemos o ônibus. – Posso dormir na sua casa? – Claro. Noites em claro.

cinco

A espectadora atleta percorre a cena em maratona. Ela se move, se desloca, se incomoda, se permite. Deseja ver e ouvir de perto, seja dentro de um ônibus, da cozinha de alguém ou de um teatro que é oficina. Testemunhamos o início de uma revolução no campo da percepção das espectadoras mediada pelo advento das tecnologias de virtualização e robotização das realidades – uma revolução de ordem semelhante àquela provocada por Gutemberg quando do surgimento da imprensa. A possibilidade da experiência habita agora a ponta dos dedos: o movimento de pinça nos distinguiu como espécie. A espectadora atleta vai ao teatro para expandir seus movimentos e duvidar do condicionamento da sua percepção. A generalização pelo feminino é uma escolha política (nota de rodapé).

seis

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SEIS ENSAIOS CURTOS PARA UM GRUPO DE TEATRO

A paisagem da cidade é diferente da paisagem da montanha. Os sons são diferentes – e a luz. A cidade arranha o céu que a montanha, por outro lado, revela. Revelar, do latim “tirar o véu” – ou em outras palavras livremente escolhidas por dedução etimológica: mostrar os olhos. Parados no silêncio da montanha viram os olhos do céu. Na cidade, repararam o céu todo arranhado enquanto caminhavam: caminhavam como um ato de criação. Criar é perceber e dar forma para então revelar. Gavião é bicho de voar. Gente é bicho de arranhar. Ouviram dizer que uma família de gaviões fizera seu ninho num prédio de Santos. Foi quando fizeram teatro para desarranhar o céu.

um

O teatro é uma prática de repetição e invenção, como todos os processos da natureza. Primeiro, duas atrizes ensaiam. Ensaio é o espaço no tempo em que o erro e o acerto, o cuidado e o risco se desafiam na mesma intensidade; é o buraco por onde o diretor olha o que as atrizes entregam. Depois, duas atrizes se expressam. Expressão é aquilo que se arranca de si para dar ao outro em gesto e palavra, ainda que o silêncio em cena também seja voz; a expressão tem grande poder de regeneração. Em seguida, duas atrizes choram. O choro é a verdade física da entrega, ou da dor, ou da memória, ou do controle das glândulas que seguram os olhos no nariz; o nariz sente o que os olhos marejados não veem. Por fim, duas atrizes exageram. O exagero é a alegoria latina da precariedade e da miséria. Gente não é para morrer de fome.

dois

Sendo a memória aquilo que nos constitui como história e continuidade, que nos fomenta como espécie – fascinados que somos pelas nossas narrativas – lembrar faz parte do nosso instinto de sobrevivência. As imagens, as sensações e as palavras são, ao mesmo tempo, o tutano das lembranças e a nossa forma de organizá-las. A loucura é uma organização aleatória e descontrolada das memórias que acumulamos, ou que perdemos. O ator depõe para lembrar. Ao fazê-lo, tenta aproximar sua mítica pessoal da nossa mítica como humanidade. Expõe e se arrisca na tentativa de dizer ou fazer algo particular e interessante, pessoal e universal. O ator atualiza a virtualidade da memória no próprio corpo, que já é em si memória. Não há memória sem vida. É preciso viver, viver não é preciso.

três

Um grupo de artistas apresenta um espetáculo sobre amor e abandono. Um grupo de idosos estrangeiros dança até o esgotamento físico da vontade de girar. Um grupo de refugiados atravessa o oceano em um bote inflável. Um grupo de juízes apartidários condena um preso político. Um grupo de cientistas mostra ao mundo a primeira foto de um buraco negro. Um grupo é um desejo que converge no tempo: uma ousadia. Um grupo é o universo infinito das múltiplas partes que o constituem, sendo cada parte em si já um universo infinito de outras múltiplas convergências. O tempo de um grupo é necessariamente o presente: seus dilemas, seus avessos, suas impaciências, suas conquistas e seu desejo de futuro – até não ser. Em um grupo, coloco a minha mão sobre a sua para que possamos fazer juntos aquilo que eu não sei fazer sozinho.

quatro
Âncora 3
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